O seu pai, Daciano da Costa, é uma referência incontornável na história do design em Portugal. Como foi herdar este legado e encontrar a sua própria voz como arquiteta?
O maior legado que o meu pai me deixou foi a integridade. Ensinou-me ainda, pelo seu comportamento diário como pai, professor e cidadão, a liberdade de escolha. Como arquiteta, o sentido ético da profissão. Fui aprendendo com ele a transformar todas as situações em oportunidades de aprendizagem: uma aparente banalidade, mas que é na verdade uma “arma potente”: a liberdade de escolher sobre o destino, de “dar a volta por cima”.
A minha voz como arquiteta é o resultado dessa prática diária do trabalho.
Nas palavras de Candide que eu uso como mantra “É preciso cultivar o nosso jardim.”
Foi desafiante afirmar-se profissionalmente numa área tradicionalmente ligada a figuras masculinas? Que caminho ainda existe a percorrer?
Tive a oportunidade de crescer profissionalmente durante os meus anos na Califórnia onde fui reconhecida fora do “círculo familiar” e fora o ambiente mais tradicional dos ateliers em Portugal que eram maioritariamente território dos arquitetos (os).
Nos Estados Unidos aprendi a ser pragmática e a liderar equipas de homens arquitetos e designers sem preocupação de ser mulher. Também tive a mesma experiência no Brasil quando em 2011 abri um escritório de arquitetura em São Paulo onde participei em grandes projetos em pé de igualdade com os arquitetos locais.
Que mulheres a inspiram?
As mulheres da minha família. Desde a minha avó (mulher de Cottinelli Telmo) que foi a primeira mulher com carta de condução em Portugal, e que sustentou sozinha as duas filhas arquitetas após a morte trágica do meu avô, passando pela minha mãe que também arquiteta conseguiu gerir com uma alegria inesgotável uma família de 5 filhas até às minhas 4 irmãs que são uma força da natureza e de talento.
O que diria a jovens arquitetas que a vêem como referência?
Diria simplesmente que não existem fórmulas de sucesso. O tempo encarrega-se de nos demonstrar que em cada projeto o que interessa não é o resultado, mas o processo. Trabalhar em equipa é cada vez mais importante. É fazer parte duma cultura, aprender com os outros e encontrar o seu caminho nesse contexto.
TRABALHO E INSPIRAÇÕES
O seu percurso na arquitetura foi, de certa forma, inevitável? Como e quando surgiu o seu interesse pela arquitetura e design?
Cresci numa família de arquitetos e designers e queria ser atriz. O interesse já lá estaria sem eu dar por isso. E foi um salto de maturidade (e um empurrão do meu pai) que me levou para a arquitetura.
Lembra-se do seu primeiro projeto? Como o vê hoje?
O meu primeiro projeto foi o primeiro stand de exposição para a PIXAR (que ainda não era a empresa famosa que é hoje) e foi uma experiência única porque fui confrontada com um prazo de 4 horas para ter a ideia e apresentar ao cliente (incluindo maquete e desenhos). Foi uma prova que superei e que me deu a confiança para dar os passos seguintes.
Atualmente recordo como foi importante para superar o “síndrome de impostor” que é tão comum nessas primeiras fases de vida profissional.
Qual é o seu projeto mais relevante - ou aquele que representou um momento de viragem no seu percurso?
A sede do BES em Altura. Um projeto onde tive oportunidade de criar uma praça em torno dum pequeno edifício para uma agência dum banco. Nada de complexo nem de muito importante, mas que acabaria por se converter em lugar de fruição e ponto de referência pela sua arquitetura.
Não se tratou de viragem, mas sim de tomada de consciência da responsabilidade que temos como intervenientes na vida das pessoas e na paisagem.
Como é o processo de pensar criativamente um espaço para outra pessoa viver?
Eu sou mulher e mãe de 4 filhos e por isso desenhar espaços para as pessoas viverem está na minha natureza. Desenho a pensar na forma como as pessoas se podem apropriar desses espaços e torná-los seus.
O que define a identidade de um espaço para além da estética?
Os pequenos “acontecimentos” que não se vêem só se sentem. O silêncio, a cor, a escala e o conforto.
Onde procura a sua inspiração?
A minha inspiração alimenta-se dum “banco de memórias” vividas e imaginadas, nas obras de arquitetos e designers, que no exercício da sua atividade, transformam o trivial em inesperado.
O que mantém vivo o seu universo estético?
O meu sentido crítico.
Se pudesse desafiar uma convenção da arquitetura contemporânea, qual seria?
Sou apologista de que não existem “projetos tipo” e que a arquitetura é um ato de cultura. Por isso promoveria a importância do tempo no processo de conceção, através do desenho - “o tempo da mão”, da experimentação.
Voltar ao desenho em “esbocetos tridimensionais”, à pesquisa de materiais e ao debate das ideias em equipa.
Que parte do seu trabalho a faz sonhar?
O que me faz sonhar é poder continuar a trabalhar todos os dias com a minha equipa que é uma espécie de “família” pela qual tenho admiração e me sinto responsável. Continuar a proporcionar bons projetos e a comunicar bons valores.
Como se traduz o conceito de ‘luxo’ na arquitetura?
A palavra “luxo” na arquitetura é uma palavra que pode ter interpretações erradas. Muitas vezes sinónimo de riqueza e de extravagância, acessível apenas a alguns. Como se fazer bem fosse caro!
Na verdade, o verdadeiro luxo é poder desenvolver um projeto “à medida”, dentro da tradição de uma certa “artesania” não apenas nas soluções e nos materiais e nos detalhes, mas na própria relação com os clientes, com a equipa e com a obra.
RÁPIDAS
Um edifício que a marcou? O Edifício da Fundação Calouste Gulbenkian
Peça de mobiliário preferida? A cadeira “Tripeça” de autoria de Daciano da Costa (meu pai)
Primeira coisa que repara ao entrar num espaço? No pé direito
Uma cidade que define bom design? A cidade que me impressionou mais: Chicago
Iluminação natural ou artificial bem trabalhada? Qualquer iluminação bem trabalhada é boa! Mas de preferência desenhar a pensar na iluminação natural.